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terça-feira, julho 15, 2008

teatro e arte contemporânea

No Visões Úteis ainda nos lembramos bem do DL 272/2003. Porque este diploma foi o último de uma tradição que reservava a designação de “arte contemporânea” para as artes visuais, relegando assim as artes performativas para fora da dimensão do contemporâneo.

E não se pense que a nomenclatura em questão seria um detalhe sem importância. Porque na verdade se trata aqui de uma tradição solidamente enraizada no Ministério da Cultura e que tem aparentemente sobrevivido às mudanças de Institutos e Direcções Gerais.

De facto o estado português encara o teatro de uma forma completamente desfasada da realidade artística contemporânea. Para o estado português o teatro parece continuar a ser um modo de criação umbilicalmente ligado à literatura dramática e à projecção do património imaterial, nacional e da humanidade. O teatro e os processos de criação teatrais contemporâneos surgidos nas últimas décadas do século XX – e que hoje são indiscutíveis na Europa – acabam constantemente secundarizados em Portugal pelas políticas de apoio às artes. Ou pelo menos secundarizados fora de certos círculos restritos.

Por isso é normal que nas actas dos júris dos últimos concursos para apoio sustentado (2005/08) se possa constantemente confirmar a alegria do estado perante os projectos que arrancam – e se encerram – na literatura dramática, e a estranheza perante todos os outros. Os primeiros são aclamados pela segurança com que atiram nomes consagrados a encenar nos anos seguintes. Os últimos são considerados como estando ainda à procura de um rumo, pois não projectam qualquer texto dramático, de preferência já legitimado e até “patrimonializado”.

O estado português está ainda preso a um paradigma de criação teatral do século XIX. Que atravessou o século XX com grande sucesso. E que ainda hoje é responsável pela esmagadora maioria da produção teatral nacional. Mas um paradigma – o do dramaturgo que escreve uma peça de teatro e do encenador que dá a ver o que leu – que definitivamente já foi colocado em causa pelos mais recentes processos de criação teatral.

E no Visões Úteis estamos verdadeiramente cansados deste desfasamento entre a arte contemporânea e o estado. Afinal em 2000 fomos considerados “megalómanos e prolixos” porque o nosso projecto transformava o próprio processo criativo em objecto artístico, ao planearmos uma viagem pela Europa que faria a ponte entre dois espectáculos acerca da própria ideia de viagem. E em 2004 fomos considerados como “ainda em busca da maturidade” por nos recusarmos a apresentar um projecto a quatro anos articulado à volta da ideia: (autor dramático+encenador) X 3 produções por ano X 4 anos.

Não cabe ao estado optar por paradigmas artísticos. O papel do estado é definir os critérios que motivem a sua intervenção correctora da lógica do mercado – e o consequente apoio às artes. E consideramos aqui que o estado português tem, de uma vez por todas, de entrar no século XXI e abandonar a ideia de que o teatro é, antes de mais, uma actividade ligada ao património, através do repertório. O teatro não pode continuar a ser menorizado enquanto actividade criativa contemporânea, actividade que cria hoje o património de amanhã. O teatro não pode continuar a ser votado à formatação do património, do historicismo e da reintegração social. Ao teatro tem de ser permitido um espaço de contemporaneidade – de processos, metodologias, objectos, relações com o público, modos de produção – que possa efectivamente exprimir o nosso mundo, o nosso tempo, e que liberte os criadores da enfadonha e datada função museológica que não podem nem devem aceitar.

Veja-se, por exemplo, que muitos processos criativos contemporâneos, aqueles em que o espectáculo de descobre no próprio processo criativo, precisam de mais tempo do que no modo autor dramático+encenação, porque não se trata agora de revelar o que já existe mas sim de descobrir o que não existe. E por isso não é nada equitativo exigir a quem trabalha num paradigma o mesmo número de novas criações de quem trabalha no outro. E ignorar este problema é condicionar a criação teatral obrigando-a a afastar-se da contemporaneidade e da criação/autoria artística original para ficar presa ao passado e ao repertório

Alertamos então para a necessidade de a nova regulamentação do apoio às artes bem como os respectivos procedimentos, nomeadamente as práticas dos júris, permitirem o desenvolvimento e sustentabilidade dos projectos que apostam em processos de criação teatral contemporâneos. Para que a opção pelos paradigmas artísticos seja dos criadores e não da administração pública. Para que todas as artes sejam contemporâneas. Para que umas não sejam mais contemporâneas do que outras. Porque se não for contemporâneo, pode ser muita coisa, mas não é criação artística.
publicado por VU às 11:01 [Ref.]

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